A notícia de que novas regras internas aprovadas pelo STF deveriam causar uma mudança quase imediata na legislação trabalhista, com medida que proíbe a demissão por justa causa, por exemplo, não é totalmente verdadeira. De acordo com Ricardo Monnazzi, professor e advogado especialista em Direito Trabalhista, o que está em análise no STF é apenas e tão-somente o aspecto formal, isto é, se o decreto de denúncia da Convenção 158 deveria ou não ter sido ratificado pelo parlamento.
“É uma questão absolutamente técnica! Ocorre que, em vista da longa tramitação de 25 anos e intermináveis pedidos de vista, sendo o último do ministro Gilmar Mendes em outubro de 2022, com votos inclusive de ministros aposentados e já falecidos, aparentemente temos que o julgamento se encaminha para o fim”, analisa Monnazzi.
Entretanto, outras questões orbitam acerca do tema central, pois, na referida ADI 1625 não votaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, integrantes que hoje substituem os que já votaram e não integram mais a Corte. Some-se a isso, como questão orbital, o fato de, paralelamente, tramitar a ADI 1625, outra Ação Direta, a ADC 39, na qual entidades sindicais patronais pretendem a declaração de constitucionalidade do decreto de denúncia presidencial.
O especialista explica que a ADC 39 é mais recente e será analisada por uma composição de plenário diferente da outra. “Logo, o julgamento alardeado de fato nada define essa questão complexa, isso porque ultrapassada a questão processual, a eventual inconstitucionalidade do decreto que denunciou a Convenção 158 significaria, conforme vem sendo divulgado (até de forma irresponsável), que “o STF deve aprovar medida que proíbe demissão sem justa causa” ou “pode validar norma que proíbe a demissão sem justa causa”, ou, pior, “equivale dizer que não se poderá demitir ninguém sem justa causa?”, indaga o especialista, consultor no escritório MAB Sociedade de Advogados.
A resposta é, segundo ele, é indubitavelmente negativa a todas essas afirmativas. Isso porque, segundo Monnazzi, independentemente da questão técnica da constitucionalidade da sua denúncia, a Convenção 158 da OIT, em si, não prevê tal fato e o julgamento não levaria automaticamente a esta conclusão. “Aliás, a discussão nem mesmo é nova.”
O TST, por exemplo, já se posicionou e tal tema é pacífico no sentido de que a Constituição Federal estabelece que a lei complementar seria a via para se estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, e que a própria Convenção 158 exige a edição de lei para que produza efeitos. Assim, como, nunca, nenhuma norma regulamentadora tenha sido editada, nenhum ‘efeito’ foi possível” (Processo: AIRR-1430-79.2014.5.17.0007).
De acordo com o especialista, no julgado de 2017, o ministro Bresciani relatou: “A inobservância da forma exigível conduzirá à ineficácia qualquer preceito pertinente à matéria reservada. Se a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa é matéria limitada à Lei Complementar, somente a Lei Complementar gerará obrigações legítimas”.
Não bastasse, neste mesmo julgamento o ministro Godinho lembrou que o próprio STF já teria entrado no mérito na decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.480[1]. Nessa decisão da Suprema Corte, relatada pelo ministro Celso de Mello, consta o seguinte: “A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única consequência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em consequência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção 158/OIT (Artigos 4º a 10)”.
“A questão material, ao que parece, ainda que encontre alguma divergência, já se resolveria nos argumentos acima, mas é de se ressaltar ainda que a Convenção 158 da OIT em nenhum momento proíbe a dispensa do trabalhador sem justa causa ou assegura estabilidade. Explica-se: a “justificativa” prevista no artigo 4º da Convenção não afasta, tampouco se confunde com a causa justa prevista no artigo 482 da CLT (o que implicaria conflito de normas, aliás). Tais normas foram criadas para fins diversos. Se assim fosse, haveria inconstitucionalidade na Convenção por impossibilidade do exercício da livre iniciativa (artigo 170 da CF)”, explica Monnazzi.
Ainda de acordo com ele, essa compreensão seria também inconstitucional por conflitar com o próprio inciso I do artigo 7º da CRFB, o qual prevê, expressamente, que a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa em uma relação de emprego deve se dar nos termos de lei complementar, sendo que esta preverá uma indenização. Essa lei jamais existiu, no entanto.
“Assim, alardear que o STF deve aprovar ou validar “medida que proíbe” demissão sem justa causa ou mesmo que “equivaleria dizer” que não se poderá demitir ninguém sem justa causa, como se estivéssemos diante de uma questão de efeito automático, para além de não ser verdadeiro sob o prisma jurídico, ainda soa como terrorismo oportunista que pode gerar efeitos nefastos no próprio mercado de trabalho, por instigar demissões por empresários receosos, estimulando, ainda mais, a contratação informal”, conclui o especialista.